22 de fevereiro de 2012

Forma e substância

O senhor K. contemplava um dia uma pintura que representava, caprichosamente, certos objectos.
- A alguns pintores – disse – acontece-lhes o mesmo que a muitos filósofos quando contemplam o mundo. Tanto se preocupam com a forma que se esquecem da substância.
Em certa ocasião, um jardineiro com quem trabalhava deu-me para a mão uma podadeira com o encargo de recortar um arbusto de loureiro. O arbusto estava plantado num grande vaso e era empregue nas festas como elemento decorativo. Havia que dar-lhe uma forma esférica. Comecei por podar as ramas mais largas, mas por muito que me esforçasse em dar-lhe a forma apetecida, não conseguia sequer aproximar-me. Uma vez cortava a mais de um lado; noutra, do lado oposto. Quando por fim obtive uma esfera, resultou demasiado pequena. O jardineiro comentou decepcionado o meu trabalho: “Muito bem, a esfera já a vejo, mas onde é que está o loureiro?”.

Bertolt Brecht, Histórias de Almanaque

Traduzido do castelhano por Oceano Falésia