2 de dezembro de 2013

A casa em chamas (Parábola do Buda)

Gautama, o Buda, ensinava
a doutrina da roda dos desejos, à qual estamos atrelados, e recomendava
a renúncia a qualquer apetite para assim, sem paixões,
mergulharmos no Nada a que ele chamava Nirvana.
Um dia os seus discípulos perguntaram:
- Como é esse Nada, mestre? Todos queremos
libertar-nos das nossas ânsias, seguindo o que recomendas, mas diz-nos
se esse Nada em que entraríamos é comparável
à união com o todo criado quando ao meio-dia
flutuamos na água sem sentir o peso
do corpo, indolentes, quase sem pensamentos. Ou quando
no leito, quase não conscientes, puxamos do lençol
segundos antes de nos afundarmos no sonho; diz-nos
se esse Nada de que falas é um Nada radiante e bom ou se é
um simples Nada; frio, vazio e sem sentido.


Guardou silêncio o Buda por um largo tempo; depois,
com indiferença, disse:
- Nenhuma resposta há para a vossa pergunta.
Mas naquela mesma noite, quando estes se foram, aos que
até aquele momento ficaram sem abrir a boca, referiu o Buda,
sentado ainda debaixo da árvore do pão, a seguinte parábola:
- Vi não faz muito tempo uma casa que ardia. As chamas
devoravam o telhado. Ao aproximar-me percebi
que no seu interior estava gente. Fui
até à porta e gritei-lhes que o fogo já chegava ao telhado e que deviam
portanto sair imediatamente. Mas ali ninguém
parecia ter pressa. Um perguntou-me,
apesar do fogo lhe chamuscar as duas sobrancelhas,
que tal estava o tempo cá fora, se chovia,
se fazia vento, se existia outra casa
e outras coisas deste estilo. Sem responder,
saí de novo. Estes, pensei, mesmo carbonizados
continuarão a fazer perguntas. Na verdade, amigos,
a quem o chão que pisa, a planta dos pés não queime tanto
que sinta desejos de mudar para outro,
a esses nada tenho a dizer-lhes. Assim falou Gautama, o Buda.
Mas também nós, que não cultivamos já a arte de tolerar,
que cultivamos melhor a arte de não tolerar, nós,
que com conselhos de índole terrena incitamos o homem
a libertar-se dos seus verdugos humanos,
a quem vendo aproximarem-se as esquadrilhas
de bombardeiros do capitalismo
continua perguntando-nos como concebemos isto, como imaginamos aquilo,
e o que será do seu mealheiro e das suas calças de domingo
depois de uma revolução,
a esses, cremos ter pouco a dizer-lhes.


Bertolt Brecht

Traduzido do castelhano por Oceano Falésia